sexta-feira, 5 de julho de 2019

Teoria da Viagem (Michel Onfray)

Há algo na ideia da viagem - não do mero turismo, mas do percurso do verdadeiro nómada - que deixa desconfortáveis os poderes reinantes, talvez porque o verdadeiro errante não se cinge às regras nem pode ser facilmente contido ou localizado. Mas o que tem a viagem de tão notável que se tornou lenda desde o início dos tempos, inspirando exploradores, aventureiros... e até mesmo aqueles que só viajam através das páginas dos livros? Talvez não haja uma resposta precisa, mas esta Teoria será um bom ponto de partida.
Dividido entre os diferentes passos da viagem, partindo da primeira ideia e dos preparativos para se expandir depois ao percurso, ao regresso e ao que fica depois - sem esquecer os espaços intermédios na ida e na volta - este é um livro que, embora parecendo decompor o acto da viagem em partes específicas, se concentra mais no aspecto filosófico do que propriamente nas especificidades da viagem. Faz, aliás, sentido que assim seja, até porque cada viagem é diferente. Além disso, a viagem poética e filosófica que serve de base a este livro não é uma mera experiência turística. É vista como uma revelação, pelo que é apenas natural que esta "poética da geografia" esteja sobretudo voltada para o interior.
Sendo embora um livro bastante breve, não é, de todo, uma leitura ligeira. Analisando conceitos metafísicos, a existência - e os obstáculos - do nómada ao longo da história e as várias facetas interiores de uma viagem aparentemente exterior, é um livro com muito para absorver, quer em termos de ideias, quer em termos de poética da escrita. É esta, aliás, a faceta mais notável deste livro, pois, dos meandros da análise por vezes intrincada da viagem, emergem frases tão certeiras e memoráveis que é impossível não reconhecer nas palavras a mesma poesia conferida ao acto de viajar.
Fica ainda uma impressão difícil de definir: a de que estas ideias e visões da viagem nascida nos livros, transposta para o real e depois conservada em novos verbos, terão possivelmente um impacto maior em quem já tiver estado na pele do viajante. Acaba por ser também um incentivo à viagem, bem como um belo ponto de partida para descobrir um conjunto de viajantes notáveis. Afinal, nomes para descobrir não faltam ao longo deste pequeno livro.
Breve, mas vasto nas ideias que contempla, trata-se, pois, de um livro estranhamente enigmático, pois transporta o leitor para uma viagem sem destino definido. Qualquer lugar pode ser o ponto de partida e de regresso, e o destino da viagem depende do viajante. Fica, pois, esta misteriosa sensação: a de ter ido a todo o lado sem ter ido a lado nenhum. E não é essa também a magia dos livros?

Autor: Michel Onfray
Origem: Recebido para crítica

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