terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Amar-te à Beira-Mar (Rodolfo Barquinha)

Era um amor destinado a ser para sempre, feito de viagens, de experiências em comum, de toques, de uma chuva eterna... até que parou de chover. O coração desfez-se, os caminhos separaram-se e a vida continuou. Mas nenhum amor tem necessariamente de ser o último e a viagem faz-se primeiro de poemas para lembrar, depois para esquecer e a seguir para recomeçar. Esta é a história de um amor contado em versos e impressões. O do narrador, claro, mas talvez não só.
Apresentado como um romance, mas escrito maioritariamente em verso (e o restante numa prosa muito introspectiva e poética), a primeira imagem a vir à tona passada a surpresa inicial é a de um livro que vive muito de impressões. Há rasgos concretos no rumo desta história, a descoberta, a separação, as viagens e a entrada em cena de um novo amor têm nomes, lugares e experiências específicas associadas. Mas são, ainda assim, uma parte relativamente discreta de um livro que vive, acima de tudo, dos sentimentos do protagonista. E, sendo certo que fica uma certa curiosidade em ver esse lado específico mais aprofundado, também o é que a ambiguidade torna os sentimentos mais universais.
Chega a ser fácil, às vezes, esquecer que há uma história particular subjacente a estas palavras. O amor do narrador/sujeito poético é dele e só dele, e há efectivamente passos específicos que são muito seus. Mas se olharmos individualmente para os poemas, ou até para os rasgos mais introspectivos de algumas das partes em prosa, é fácil transpor esses sentimentos para uma memória ou vaga sensação, ou talvez para a história de alguém de quem ouvimos falar. Há menos proximidade específica com as personagens, é um facto. Mas há como que uma proximidade emocional que compensa essa distância maior.
E, claro, sendo um livro tão poético e tão dominado pela poesia, importa ainda falar sobre o ritmo e a fluidez das palavras. Mais uma vez, são as impressões a dominar e a impressão que fica é a de uma forma de expressão natural, ainda que voltada para o interior, sem grandes regras estruturais, mas com uma cadência envolvente e capaz de contar uma história - ou impressões dela - mais a partir do coração do que do mundo exterior.
Difícil de enquadrar, portanto, mas nem por isso menos cativante, trata-se, pois, de um romance em que a história se faz tanto do que se passa na cabeça e no coração como dos acontecimentos específicos que despertam esses sentimentos e pensamentos. É um livro diferente, sem dúvida. E, na diferença, também uma boa leitura.

Autor: Rodolfo Barquinha
Origem: Recebido para crítica

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