John Sutter é um advogado de relativo sucesso e vive tranquilamente com a esposa na famosa Costa do Ouro, em tempos a zona mais rica e influente de Long Island. E é precisamente porque tudo corre bem que John se sente tão entediado. Mas isso está prestes a mudar. Com a entrada em cena do seu novo vizinho do lado - o célebre mafioso Frank Bellarosa - John vê-se subitamente intrigado por um mundo a que nunca pertenceu. E o que começa por ser um contacto casual torna-se um convívio relutante e depois um mergulho sem regresso na vida de intrigas e influências da Máfia. John Sutter deixará de se sentir aborrecido. Mas a que preço?
Algo que importa começar por dizer sobre este livro é que, além das suas mais de seiscentas páginas de dimensão, começa por ter um ritmo bastante pausado. Não é, por isso, propriamente uma leitura compulsiva, não só pela extensão, mas sobretudo pela teia de complexidades que se vão revelando aos poucos. Na sua bolha de privilégio e aparências, os Sutter não são propriamente o tipo de pessoas que despertam uma empatia imediata, até devido a algumas posições mais duvidosas (ainda que perfeitamente enquadradas no período em que a acção decorre). E quanto a Bellarosa - bem, é o que é. Mas é precisamente a forma como estas impressões evoluem e se alteram ao longo da leitura, à medida que novas relações e jogos de poder vão sendo revelados, que torna a história tão cativante. São tantas as mudanças, as intrigas pessoais, familiares e... profissionais, digamos... que a simpatia de um momento é a aversão do seguinte. Até porque tudo tem segundos sentidos e segundas intenções.
Outro aspecto notável é a ambiguidade. A necessária ambiguidade moral das personagens (afinal, é de um mafioso que se trata), mas também a ambiguidade da forma como se vêem a si mesmas. John é alguém nitidamente em crise consigo mesmo e as repercussões das suas escolhas - com todo o dramatismo da fase final - contrastam com um estranho e às vezes desconfortável sentido de humor. E quanto à moralidade, é também particularmente interessante a forma como, pela peculiar perspectiva de Frank Bellarosa, o autor explora os estranhos códigos de honra que coexistem no mundo do crime.
Não surpreende, pois, que, no meio de toda esta intriga, haja também algum material para reflexão. Dos preconceitos das personagens à destruição gradual da bolha de privilégio, passando pelo deteriorar de uma longa relação devido ao tédio, há na história destas personagens específicas um contexto que é muito mais amplo. A convivência dos Sutter com os vizinhos, os meandros dos vários tipos de poder e a duplicidade das relações, tanto pessoais como profissionais, estão bem presentes nesta história que não é, de certa forma, apenas a de John Sutter, mas também a de um período da Costa do Ouro.
Levará o seu tempo a ler, mas vale muito a pena. Pois, com as suas personagens ambíguas, a sua mistura de nostalgia e conspiração e o seu ambíguo traçado da passagem do tempo nas vidas e nos lugares, proporciona uma história tão complexa quanto cativante e surpreendente. John Sutter pode não ser o mais afável dos homens... mas é, sem duvida, um protagonista memorável.
Título: O Advogado da Máfia
Autor: Nelson DeMille
Origem: Recebido para crítica
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