Há quem diga que, após a morte, o cérebro pode permanecer activo durante dez minutos e trinta e oito segundos. O que dá forma um enigma: o que passará pela mente do morto durante esse período de tempo? E se a mente ainda está activa, estará realmente morto? Leila Tequila acaba de descobrir as respostas, ainda que jamais possa vir a partilhá-las com alguém. Foi assassinada. E, nos seus últimos dez minutos e trinta e oito segundos, vê a história da sua vida e os momentos que a definiram. Mas a história não acaba com o esgotar do seu tempo. Apesar de tudo, deixou cinco amigos para trás. Cinco amigos que não estão dispostos a aceitar que a sua melhor amiga acabe num cemitério para rejeitados...
Embora tenha no cerne um homicídio, não é em torno desse mistério que esta história é construída. O crime em si é apenas um ponto de partida: para as memórias de Leila, para a acção dos amigos e para o retrato de uma sociedade onde aqueles que são diferentes não só não têm lugar como se tornam alvos a abater. Não se trata, pois, da resolução do grande mistério de quem matou Leila Tequila, sendo que esta parte da história acaba até por passar para um segundo plano que, gradualmente, se transforma em esquecimento (o que não quer dizer que não haja respostas). Mas faz todo o sentido que assim seja, tendo em conta a história da protagonista e sobretudo o mundo em que se move.
Outro ponto particularmente marcante é a teia de laços e de memórias que é o verdadeiro cerne deste livro. De laços familiares conturbados, feitos de segredos e fundamentalismo, de tradições obscuras e de fugas que acabam por conduzir a sítios piores. De laços de amizade também, do tipo profundo e inabalável que une os rejeitados, os que não pertencem e que, por isso, precisam de todas as forças que consigam encontrar. E de um amor condenado ao fracasso, feito de idealismo e do duro choque com a realidade. Laços profundos, memórias marcantes e uma história que não termina apenas na morte anunciada das primeiras páginas.
Mas há ainda um outro laço a unir todos os elementos: o laço das palavras. De uma escrita que é ao mesmo tempo poética e fluida, nostálgica e intensa, capaz de empolgar nos momentos de perigo e de mergulhar nas profundezas das mais conturbadas emoções. Há beleza e equilíbrio nas palavras e uma espécie indescritível de alma que faz com que as personagens ganhem vida, quase como se fossem velhas conhecidas.
E assim se forma uma imagem notável, de um livro que é ao mesmo tempo o retrato de uma sociedade de tradições e julgamentos constantes, a história de uma vida feita tanto de sombras como de exuberância e a construção de uma amizade que perdura para além da morte. Melancólico e fascinante, misterioso e surpreendente, e acima de tudo maravilhosamente escrito, um livro memorável em todos os aspectos. Muito bom.
Autora: Elif Shafak
Origem: Recebido para crítica
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