Éramos felizes e não sabíamos. Seria uma afirmação mais do que adequada para a nostalgia que acompanha inevitavelmente estes estranhos dias de confinamento e outras complicações covidianas. Mas não. Trata-se de um livro de 2012 e as crónicas nele contidas são de outros dias antes do fim. (E há sempre um fim à espreita, não é verdade?) Nesse tempo, as crises eram outras, e eram também diferentes - bem, a maioria - as figuras de maior protagonismo. Mas é impossível não ler este livro sem ficar com duas sensações mais ou menos contraditórias, mais ou menos convergentes: a de uma memória ainda muito viva daqueles tempos e a de que muitos pontos de vista continuam ainda a ser absurdamente actuais.
Para quem, naquele ano da (des)graça (ou seguintes) era espectador do Inferno, estas crónicas não são propriamente novidade. Mas também aqui sobressaem dois aspectos. Primeiro, que é absurdamente fácil ouvir a voz do autor na cabeça à medida que se vão lendo os textos e imaginar o movimento dos desenhos no ecrã da televisão (ainda que haja também um desses ditos desenhos a acompanhar cada crónica). E segundo, que os textos resultam igualmente bem neste formato, sem voz nem movimento, mas com a mesma precisão implacável no humor e na ironia.
Mas é preciso conhecer o programa e o estilo e tudo o mais? Não, de todo. O tom e o ritmo das palavras transmitem a mesma exacta impressão. E quanto ao conteúdo, bem... 2012 já vai longe (era para ser o fim do mundo, não era?), mas os temas continuam bem presentes nas nossas vidas, ainda que com outros protagonistas. E fica ainda uma outra sensação curiosa para quem se lembra deste passado não muito distante. É que, neste eterno ciclo de génesis e de apocalipses, dias de glória, crises, recuperações e volta tudo ao início outra vez, temos sempre a tal sensação de nostalgia, de que dantes é que era bom. Lá está... Éramos felizes e não sabíamos.
Não importam os anos que passaram desde a publicação, pois continua a ser um livro muito actual. Talvez não nos acontecimentos propriamente ditos, mas sobretudo nos comportamentos, hábitos e... bem, complexidades que se reflectem em cada um deles e que facilmente se poderiam transpor para outros acontecimentos presentes. Junte-se a isto o ritmo e os já referidos humor e ironia implacáveis e o resultado é simplesmente muito bom.
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