quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O Surto (Lawrence Wright)

A súbita aparição de um surto de febre hemorrágica num campo de prisioneiros na Indonésia pode parecer, aos olhos de alguns investigadores, apenas um caso bizarro. Afinal, grande parte dos detidos têm um sistema imunitário débil, o que significa que pode muito bem ser uma doença já conhecida a ter aqueles efeitos estranhamente devastadores. Ainda assim, para jogar pelo seguro, o epidemiologista Henry Parsons, uma autoridade como poucas no seu ramo, decide viajar para o campo a fim de averiguar ao certo o que se passa. O que encontra é muito mais perturbador do que todos esperavam. Tudo indica tratar-se de um vírus novo e desconhecido, com um fortíssimo potencial pandémico. E o pior de tudo... é que é já demasiado tarde para o travar.
Um elemento geralmente comum a este tipo de história apocalíptica é a tendência para seguir o percurso da corrida contra o tempo em busca de uma solução quase milagrosa... que, geralmente, acaba por salvar o mundo no último minuto. Bem, desengane-se quem espera isso deste livro. A corrida contra o tempo existe, de facto, mas assume a forma de um ponto de partida para um percurso mais complexo, menos linear e muito menos optimista. A pandemia deste livro é tudo menos fácil de controlar. E o combate à doença não é um factor de união, mas sim uma porta aberta para o caos, para a intriga, para o conflito aberto. Não é uma história em que a humanidade se una para que tudo acabe bem. É a história do seu lado mais negro, mais conflituoso, mesmo perante a hecatombe.
Não é, portanto, uma leitura leve. Muito pelo contrário. Há, aliás, algo de absurdamente poderoso na forma como um enredo que se vai tornando cada vez mais negro consegue, ainda assim, ser tão viciante e tão eficaz na forma como gera emoção. Talvez por não haver heróis imaculados e por os alegados vilões se moverem, por vezes, pela simples ideia de dever. Talvez porque há, apesar de tudo, gente com o coração no sítio certo, mas isso nem sempre chega. Talvez porque haver tanto caos e tanta perda e tantos gestos de luz no meio das sombras. Ou talvez por tudo isto moldar um equilíbrio brilhante entre as múltiplas facetas fascinantes deste livro.
Embora a história se divida entre vários pontos de vista, diria que há sobretudo dois protagonistas: o vírus e Henry Parsons. O vírus é a força motriz por trás de toda esta história, o mistério por resolver, a base da análise fascinante - e do contexto meticulosamente explorado - que é feita ao delicado equilíbrio da civilização e a razão do caos que se avizinha. Henry... Henry é ao mesmo tempo o herói porque é fácil torcer e a figura que esconde um passado inominável, o ser humano vulnerável que carrega todo o peso dos seus próprios demónios e o ávido explorador de uma verdade que... nem sempre liberta. É uma personagem complexa, profunda, nem sempre agradável, mas sempre fascinante. E também a sua mente é um dos aspectos mais memoráveis deste livro.
Perturbador seria uma boa palavra para descrever este livro, principalmente se tivermos em conta o contexto actual. Mas é também uma imersão profunda num caminho que não é real, mas anda assustadoramente perto, numa luta pela civilização que é tudo menos previsível e na mente de um protagonista que é simplesmente inesquecível. Perturbador, sim, mas sobretudo impressionante. E brilhante em todos os aspectos.

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