No seu quarto no hospício, sem entender bem o que se passa ou de onde lhe vêm os sonhos e as perguntas que lhe afloram ao pensamento, Um Nove Um Seis quer ficar melhor e sair dali. Mas, no fundo, sabe que a sua doença não é bem aquilo que lhe dizem. Aceita o mundo tal como ele é - por não conhecer outra vida que não aquela, onde tudo o que existe são números, tanto para a identificação pessoal como para a existência de um deus - mas sente que algo está errado. E quanto o seu companheiro de quarto lhe abre caminho para o que pode ser o princípio da descoberta, ele não sabe se está pronto para aceitar a verdade. Mas há uma pergunta que permanece - O que é um nome? - e que precisa de uma resposta.
Centrado essencialmente na perspectiva do protagonista, ainda que construindo para ele um mundo cheio de particularidades, este é um livro em que duas facetas se conjugam quase na perfeição: a faceta pessoal, da história do indivíduo em busca de si mesmo num mundo onde a individualidade de pouco vale, e a faceta global, do regime imposto com o objectivo de uma inevitável normalização absoluta. Estas duas facetas estão bem presentes ao longo de todo o livro e sobressaem não só pelo que representam no caminho do protagonista, mas pelos inevitáveis paralelismos que se estabelecem com a realidade dos nossos dias.
A actualidade da história é, então, um muito interessante ponto forte neste livro, e o primeiro de vários. Destes, importa também referir a fluidez de uma escrita onde a crueldade dos factos e a poesia das palavras se fundem numa estranha harmonia. Mas principalmente a construção de um mundo que, sendo vaga em certos aspectos - talvez para reforçar os tais paralelismos com o nosso mundo - , tem, apesar disso, muito de fascinante, desde os hábitos religiosos à imposição dos números, sem esquecer o incrivelmente cativante conceito de uma resistência por via da poesia.
Tendo tudo isto em conta, é quase inevitável que fique a vontade de saber mais sobre este mundo a partir de uma perspectiva mais vasta, até porque o final deixa algumas coisas em aberto (deliberadamente, parece-me). Ainda assim, e sendo, acima de tudo, a descoberta pessoal de Um Nove Um Seis o cerne desta história, parece-me que faz sentido que seja em torno dele que tudo gira. Além disso, esta proximidade reforça, sem dúvida alguma, a empatia.
História de um mundo em que todas as regras mudaram - ou em que algumas delas estão terrivelmente próximas de nós - e de um homem em busca de quem verdadeiramente é, este é, pois, um livro que cativa e surpreende, tanto pelo enredo como pela escrita e pelas ideias que lhe estão subjacentes. Recomendo.
Título: Os Números que Venceram os Nomes
Autor: Samuel Pimenta
Origem: Recebido para crítica
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