quinta-feira, 26 de julho de 2018

Obras do Diabinho da Mão Furada (António José da Silva)

Depois de vinte anos nas guerras da Flandres, o soldado Peralta dirige-se finalmente a Lisboa. Mas a procura de um abrigo numa noite de tempestade conquista-lhe um companheiro inesperado. Trata-se do Diabinho da Mão Furada e a sua missão é espalhar tentações e discórdias. Durante a viagem, tentará levar Peralta à tentação, ao mesmo tempo que lhe revela os meandros das hierarquias infernais. Peralta, porém, mantém-se firme no seu objectivo: chegar a Lisboa e livrar-se, de uma vez por todas, do seu indesejado companheiro.
Um dos aspectos mais cativantes deste pequeno livro é o facto de reflectir com toda a precisão as mentalidades e crenças da sua época, ao mesmo tempo que evoca questões intemporais. Às bruxas e demónios, com as suas nefastas influências, acrescenta a visão de um inferno habitado por criaturas cujos vícios, por serem tão amplos, mantêm toda a sua actualidade - ainda que, talvez, com manifestações diferentes. E este é provavelmente o aspecto mais notável desta história: a visão de um inferno feito de pecados comuns, com traços muito vincados, mas facilmente transponível para uma visão terrena.
É também, à sua maneira, uma aventura, pois os caminhos do soldado Peralta são feitos de várias e invulgares peripécias. Também isto contribui para tornar a história tão interessante, pois, às suas visões dantescas - bem, mais ou menos - do inferno, juntam-se as travessuras e transgressões do Diabinho, os seus actos de provocação e os lampejos de inexplicável generosidade. O resultado é uma história que, contendo uma visão mais global, cativa tanto por esse significado mais profundo como pelo simples caminho percorrido pelos seus protagonistas.
É, claro, um fruto do seu tempo e assim o demonstram aspectos como o comportamento das bruxas ou a própria concepção de um mundo dividido entre a fé e os diabos. Fica, ainda assim, uma interessante percepção: se imaginarmos os pecados como simples defeitos de carácter, a pertinência da sua manifestação continua a ser exactamente a mesma. E, assim, a mensagem é válida, independentemente do tempo e da fé.
Trata-se, pois, de uma leitura breve, mas muito cativante e cheia de detalhes notáveis. Uma história de diabos e de tentações, mas cuja moralidade, embora vista à luz da época, mantém ainda muito de actual. 

Autor: António José da Silva
Origem: Recebido para crítica

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