segunda-feira, 2 de julho de 2018

O Quarto da Mãe (Sérgio Mendes)

O pai teve de fugir do país e ninguém sabe se volta ou se está bem. Os únicos sinais de vida surgem na forma dos ocasionais e imprevisíveis envelopes com algum dinheiro. A mãe, essa, vive entre melancolias e lembranças passadas, no quarto onde vivem todos os fantasmas e de onde nascem gritos, gemidos, melodias, nódoas negras. No meio de tudo isto, o filho procura o seu lugar nos afectos de uma família difícil de entender. E sobrevive, ciente de que a alternativa é simplesmente perder...
Não é propriamente fácil falar sobre este livro, já que é uma história que vive tanto de pensamentos e de impressões emocionais como dos acontecimentos ditos. Estes são, aliás, vistos de uma perspectiva algo ambígua, pelos olhos da criança que tenta entender o que ouve e vê, toldada pelas lentes de um amor difícil de explicar. E por isso ficam perguntas sem resposta, aspectos da vida apenas vistos de relance e um final que diz tanto como o que deixa por dizer. Uma imagem ambígua, tão disfuncional quanto a vida, mas talvez por isso mesmo particularmente adequada.
Esta impressão deve-se muito à história em si, com os seus enigmas apenas vislumbrados e a impressão sempre parcial de um filho que contempla a vida dos adultos. Mas também a escrita contribui para esta sensação de entrar num mundo estranho, mas muito próximo, com a sua profunda introspecção e a expressividade com que explora quer os momentos de grande tensão, quer os de simples análise da vida interior.
E há uma certa inevitável empatia face ao desencanto que parece envolver a vida do narrador. Uma vida de dedicação profunda, mas vivida num papel que não deveria ser o seu. Há um mundo em mudança, posições vincadas, escolhas de vida e lutas globais - mas a simples sobrevivência do mais frágil, essa, parece não importar a ninguém. E esta visão complexa, contraditória, de uma relação de mãe e filho que é tudo menos fácil e harmoniosa - como também não o é a música que tão presente está nesta história - torna todo o caminho mais marcante. 
No fim, fica o que parece ser uma ambiguidade propositada, pois também todas as facetas da vida destas personagens são ambíguas. E uma beleza sombria, mas estranhamente fascinante, que faz desta história enigmática e magnificamente escrita, uma leitura difícil de descrever - mas memorável, ainda assim. 

Autor: Sérgio Mendes
Origem: Recebido para crítica

1 comentário:

  1. Obrigado, Carla.
    Vou partilhar a tua crítica tão bem elaborada.
    Um abraço.

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