Choque, sombra, intensidade e interrogação. Morte, caos, deambulação e espaço. E, no meio de tudo isto, o mundo consumista - e que consome - e até as estranhas presenças de possíveis entidades de um outro mundo. De tudo isto é feito este livro, tão difícil de caracterizar pela abrangência de quarenta anos de poesia como pela estranha e fascinante ambiguidade que parece emergir das palavras. Mas tentemos.
Provavelmente o que de mais memorável fica desta leitura é o facto de não haver limites nem barreiras no mundo destes poemas. Há, aliás, um evidente factor choque, que, não tendo apenas o choque por objectivo, acaba por conseguir gravar a fogo a memória das imagens - e de uma estranha visão do mundo tão invulgar quanto certeira.
Claro que, sendo mais de quatrocentas páginas de poesia, outro factor será a variação de temas e de registos. É bom, aliás, que assim seja, caso contrário seria necessariamente uma leitura repetitiva. Mas o mais interessante neste aspecto é que parece haver uma progressão por fases, em que cada conjunto representa uma faceta diferente de um mundo tão vasto quanto intangível. É natural que haja poemas mais memoráveis do que outros, mas a verdade é que todos parecem pertencer, dos mais aparentemente simples poemas de amor a um estranhamente fascinante apocalipse extraterrestre.
Há ainda espaço para uma longa e interessante conversa final entre o autor e Valter Hugo Mãe, responsável por esta colecção. E interessante, em primeiro lugar, porque é realmente uma conversa, não uma entrevista, além de uma fuga constante às banalidades. Fala-se da morte, do absoluto, da inocência - de tudo menos das bases quotidianas. E essa conversa acaba por ser também, em si mesma, poesia, como que encerrando em beleza este extenso e enigmático volume.
Não é uma leitura fácil, mas é também essa complexidade que torna este livro tão intrigante. Isso e a estranha e sombria harmonia que parece emergir das palavras, por entre aquilo que choca e o que faz pensar. Surpreendentemente intenso e enigmático, um livro que vale a pena explorar.
Título: No rasto dos duendes eléctricos
Autor: Adolfo Luxúria Canibal
Origem: Recebido para crítica
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