quinta-feira, 14 de maio de 2020

Deprivation (Roy Freirich)

Tudo começa com um rapaz, sozinho na praia e agarrado à sua pequena consola como se nada mais existisse na sua vida. Subitamente, todos começam a perder o sono e os problemas começam a vir à superfície. Sam, o médico local, dá por si a cuidar da criança abandonada e, ao mesmo tempo, a tentar responder aos cada vez mais desesperados apelos dos residentes temporários da ilha por algo que os faça dormir. Tem, contudo, também de lidar com a sua própria insónia e com um passado que continua a atormentá-lo. À medida que os dias passam e o sono continua a escapar-lhes a todos, a privação começa a desencadear efeitos graves. E o que começou por ser um incómodo não tarda a transformar-se numa escuridão mais profunda... a que se segue a violência.
Um dos aspectos mais fascinantes desta história é que tudo parece começar num registo relativamente leve - ainda que com algumas insinuações ominosas - a que posteriomente se sucede um mergulho gradual nas trevas e na violência. Parece ser moldada pelo ritmo da falta de sono das personagens, primeiro com indignações e conflitos menores, depois com uma verdadeira revolta. E, no meio de tudo isto, há o mistério da criança abandonada, do passado que Sam carrega consigo e, acima de tudo, da razão por que toda a gente perdeu o sono.
Também particularmente impressionante é como tudo acontece em poucos dias, parecendo, ainda assim, durar uma eternidade. é como se a falta de sono das personagens emanasse da própria narrativa, reflectindo com absoluta precisão a lenta descida ao caos global que se apodera da ilha. Reflecte, além disso, com exatidão o que cada personagem está a sentir: na ausência do sono, tudo parece um dia infinito.
E há ainda as personagens propriamente ditas, com a sua fascinante complexidade interior. Sam, a fugir das sombras do seu passado; o chefe da polícia, cuja decisão passada assombra as suas acções actuais; o próprio rapaz, com o seu silêncio avassalador. As sombras que carregam moldam o seu comportamento e conduzem a narrativa a uma escuridão mais nítida. No fim, estas escolhas definem também a conclusão: um final intenso e cheio de surpresas, mas também fascinante na sua natural ambiguidade.
Uma luz que se transforma em trevas perante a insónia: é esta a base desta fascinante e envolvente história. Um livro onde nada - nem ninguém - é só aquilo que parece e onde a mente e os seus labirintos desempenham um  papel crucial em toda a história. Intenso, intrigante e inesperadamente profundo, um livro que não hesito em recomendar.

Título: Deprivation
Autor: Roy Freirich
Origem: Recebido para crítica

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