São sobejamente conhecidas, tanto por crentes como por não crentes, as linhas essenciais das narrativas bíblicas. São também bases intemporais, passíveis de serem contadas de muitas formas. É exactamente isso que este pequeno livro faz, pegando em vários momentos para os reconstruir de forma diferente, num conjunto em que cada parte funciona independentemente, mas molda ao mesmo tempo um todo maior. E podem não ser percursos inteiramente imprevisíveis, mas não deixam, ainda assim, de ser muito cativantes.
É o primeiro conto que dá título ao livro. O Astrónomo de Herodes reconstrói o episódio bíblico do encontro dos magos com Herodes a caminho de Belém, acrescentando um novo elemento e uma nova visão da acção do rei ante a promessa do seu sucessor. Simples, mas cativante, consegue acrescentar uma perspectiva diferente a uma história sobejamente conhecida, o que é mais do que suficiente para proporcionar uma boa leitura.
Segue-se Nas Margens do Rio Jordão, onde a história passa a ser a de João Baptista junto ao Jordão, bem como a do perigoso olhar de Salomé. Não sendo propriamente uma história nova - vindo como vem das narrativas bíblicas - consegue, ainda assim, acrescentar-lhe um registo diferente, ao seguir a perspectiva de Herodias e ao centrar-se no primeiro contacto, ao invés da célebre história do que veio depois.
No Monte das Tentações recria as tentações no deserto, construindo para elas um diálogo mais extenso - e talvez mesmo mais cordial - e uma visão mais humana dos protagonistas. Mantém-se a simplicidade e o conhecimento de que se trata de uma linha geral já mais do que conhecida, mas surge ainda a surpresa do diálogo mais extenso e da forma como tudo termina, deixando ao relato bíblico o que aqui fica por dizer.
Em Na Prisão de Maqueronte, surge novamente João Baptista, desta vez no primeiro contacto com Salomé e, em seguida, no subsequente cárcere. São já mais as diferenças relativamente ao relato convencional, com diálogos mais emocionados a virem à superfície. Além disso, torna-se agora evidente que, embora independentes, todos estes contos se entrelaçam num todo maior, como o evidencia a promessa que surge no final deste conto.
Segue-se Junto ao Poço de Jacob. Aqui, o episódio reconstruído é o do encontro de Jesus com a samaritana, num diálogo mais extenso e movido por motivos mais humanos. Provavelmente um dos contos mais surpreendentes deste livro, marca sobretudo pela apresentação de um Jesus menos divino e mais humano - e de um amor que é também mais pessoal.
O Último Véu regressa aos últimos dias de João Baptista, traçando para a dança de Salomé e subsequente pedido um percurso bem diferente, ainda que culminando numa conclusão similar. Divergindo em muito da narrativa que lhe serve de base, entrelaça amor num caminho de ódio, conferindo também a esta história uma perspectiva mais humana e emotiva.
Surge depois A Verdade, onde convergem vários dos episódios da narrativa bíblica, contados, como habitual, de forma um pouco diferente. Aqui, sobressaem duas coisas: o registo mais ligeiro dos diálogos, que realça a já referida maior humanidade da sua figura central e a forma como, sem nunca se desviar demasiado do registo original, cria relações mais próximas, ainda que muito discretas.
O Velho e o Menino no Jardim dá, em seguida, um salto no tempo, para dar a conhecer um professor que parece ter perdido a fé no seu encontro com um rapaz que lhe parece inexplicavelmente familiar. É, antes de mais, inesperada esta mudança de cenário, ainda que as ligações com os contos anteriores sejam bastante evidentes. Ainda assim, a impressão que fica é a do início de uma nova fase, que terá continuidade nos contos seguintes, ainda que funcione também como algo completo em si mesmo.
Segue-se A Caminho de Emaús, que, como o nome indica, narra a caminhada de dois discípulos rumo a Emaús, bem como o seu inesperado encontro com um estranho. Mais uma vez, é uma forma diferente de construir uma história conhecida, mas aqui o que se destaca é a ambiguidade de um estranho que não parece ser bem o mesmo da história original, mas cuja visão não podia ser mais clara.
E tudo termina com A Ressurreição Segundo Tobias da Encarnação, regresso a um período mais recente e às respostas que anteriormente tinham ficado por dar. Relativamente simples no registo, marca sobretudo pela visão que apresenta da fé, bem como pela ténue linha que, ao longo de todo o texto, parece unir o passado ao presente.
Terminada a leitura, a impressão que fica é a de um livro que é simultaneamente muito simples e muito cativante. Parte da mais célebre das histórias para lhe conferir uma perspectiva diferente. E, sem nunca perder de vista as ideias originais, torna-a nova e envolvente. Basta isto para proporcionar uma boa leitura - e para que valha a pena descobrir estes contos.
Autor: Onofre dos Santos
Origem: Recebido para crítica
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