sexta-feira, 22 de março de 2013

Depois (Rosamund Lupton)

Tudo muda quando Grace vê o fumo negro. A escola está a arder e é possível que os seus filhos estejam no interior. Grace não pensa, não pondera nos riscos. Limita-se a correr. Ao aproximar-se, vê que Adam, o filho mais novo, está no exterior, mas Jenny não. Mais uma vez, não hesita. Corre para o edifício em chamas, numa tentativa de salvar a filha, custe o que custar. Mas esse momento de coragem não basta e, depois da escuridão, Grace descobre-se na companhia da filha, a observar os seus próprios corpos enquanto lutam pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, a família junta-se em seu redor, tentando descobrir o que passou, e a revelação de que o incêndio não foi acidental leva-os a seguir todas as pistas em busca do responsável. Grace e Jenny são apenas presenças invisíveis, acompanhando os passos dos que podem fazer alguma coisa. Mas o que vêem não é só uma investigação: é uma descoberta da verdadeira natureza dos que as rodeiam. E delas mesmas.
Parte do que torna os livros desta autora tão cativantes é a forma muito própria que a autora escolhe para contar as suas histórias. Tal como em Irmã, a voz da narradora e protagonista tem algo de peculiar, quer na forma como vê as coisas, quer na posição em que se encontra. Grace conta ao marido o que aconteceu, e conta-o a partir de uma espécie de limbo, enquanto o seu corpo está entre a vida e a morte. Isto permite que a história seja contada de uma forma invulgar, já que, enquanto ente invisível e incorpóreo, Grace pode acompanhar muitos dos acontecimentos centrais sem ser vista. Ao mesmo tempo, esta posição de observadora torna-se difícil, já que, enquanto todos os outros podem dar voz e seguimento às pistas que encontram, Grace encontra respostas, mas não as pode transmitir. É fácil sentir, nesta forma de contar a história, o sentimento de impotência de Grace, enquanto mãe, e isso é parte do que torna tão vasto o impacto emocional desta história.
Um outro ponto forte dos livros desta autora, e também comum a Irmã, é a capacidade de desenvolver múltiplas possibilidades, explorando-as e desenvolvendo-as, para logo as pôr perante uma revelação inesperada que faz com que tudo mude. Na busca por um culpado, todos são suspeitos, e há uma lógica possível para quase todas teorias, até ao momento em que uma nova pista vem dar uma nova explicação para os acontecimentos. Este mistério, feito de teias de possibilidades que ligam diferentes suspeitos e situações sem ligação aparente, torna a leitura viciante, com cada nova revelação a surgir como uma surpresa e um novo passo na procura de respostas, dando, ao mesmo tempo, espaço para momentos de grande emotividade.
Entre o mistério e a emoção, a autora consegue ainda abordar uma série de temas muito pertinentes, desde a violência doméstica, às questões da conciliação entre a maternidade e a carreira, passando pela possível colisão entre os ideais e os interesses económicos, pela influência do julgamento público, independentemente da culpa efectiva, e ainda pela forma como realmente conhecemos as pessoas que nos rodeiam. Tudo de uma forma bastante pessoal, até porque a história é contada pela protagonista e dirigida a uma pessoa que lhe é muito próxima, mas reflectindo sentimentos com que é fácil criar empatia. Na história de Grace e Jenny, é possível ver, para além do mistério, um retrato de uma vida familiar, de afectos e ligações, de experiências vividas em comum e do crescimento ao longo da vida. E também dos pequenos segredos e experiências da vida, do que cada um guarda para si, dos pequenos grandes fardos no passado de cada um. Elementos da realidade, em suma, que, mesmo contados numa história fictícia, são facilmente reconhecíveis.
Esta é, pois, uma história que é tanto do mistério por detrás de um incêndio como das vidas pessoais e familiares - com todos os segredos, mais ou menos inofensivos - das personagens que a protagonizam. Uma história de afectos e de sacrifícios, com tanto de misterioso como de comovente, e que culmina num final marcante e intenso. Um livro belíssimo, portanto, e que não posso deixar de recomendar. Impressionante.

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