Alguns negativos abandonados na rua, e a descoberta das imagens que contêm, levam uma mulher numa viagem pelas suas memórias. Memórias de afecto e de desilusão, de uma revolução pessoal nos tempos da Revolução. E de amor, principalmente, com tudo o que tem de mágico e de destrutivo, com tanto de prisão como de liberdade. Começa, assim, uma história breve, mas cheia de alma e de poesia, capaz de conter toda uma vida em recordações.
Narrado, maioritariamente, na primeira pessoa e ao ritmo dos pensamentos e das memórias, este livro tem na beleza da escrita o seu grande ponto forte. Há muito de introspectivo nesta narrativa, e esse lado exprime-se numa linguagem poética, algo divagativa, mas bela, harmoniosa, reflectindo em pleno a ambiguidade do fluir das recordações. Mulher e mãe, a protagonista tem também as suas ambiguidades - a vontade de se libertar, por oposição às ligações que a prendem, o afecto que se sobrepõe às desilusões, a necessidade de recordar, consciente de que a memória a fere - e a escrita reflecte bem essa mulher completa e contraditória.
Todo este percurso de memórias e pensamentos dirigidos às figuras do passado faz com que pouco haja de linear na linha narrativa deste livro. Nem sempre as figuras presentes em cada episódio estão perfeitamente identificadas, o que gera algo de mistério - e, sim, mais uma vez a ambiguidade - que exige atenção para compreender todos os pormenores. Algumas das memórias da protagonista parecem, à primeira vista, algo confusas, como que esbatidas pelo passar do tempo, o que deixa, por vezes, a impressão de algo em falta. Mas tudo faz sentido ao chegar ao fim, mesmo que nem todas as questões tenham respostas.
Se o essencial da narrativa é pessoal e introspectivo, há, ainda assim, momentos que, sem se afastar da memória individual que parece estar no centro de todo o livro, tornam o contexto mais claro e a história um pouco maior. Trata-se, claro, dos momentos relativos ao 25 de Abril, que, além de tornarem mais claro o tempo das recordações, criam um interessante paralelismo entre a revolução no país e a planeada revolução pessoal da protagonista.
Breve, mas de complexidades inesperadas, e introspectivo, como todas as viagens à memória, Marginal fala de amor e de recordação, numa história que é tudo menos linear e que, por isso, exige bastante atenção. Uma história que é, também, rica nas ambiguidades e contradições que caracterizam os regressos ao passado e que, por isso, reflecte na perfeição as emoções de uma pessoa que recorda, numa vida que não dá todas as respostas. Tudo isto, numa escrita bela e poética, que cativa e que fica na memória. Que faz, também, com que este livro valha a pena.
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