terça-feira, 20 de outubro de 2020

Faithless - Volume Um (Brian Azzarello e Maria Llovet)

A vida de Faith não é propriamente empolgante. Demonstra um certo interesse por feitiços e magia, mas não parece ser muito mais do que uma forma de combater o aborrecimento. Tudo muda, no entanto, no dia em que se depara com Poppy. Subitamente fascinada, vê-se arrastada para um mundo de arte bizarra, sexo desenfreado e acontecimentos inexplicáveis que podem ou não ter uma base sobrenatural. O que começa por ser uma atracção bizarra, mas aparentemente inofensiva, traz, afinal, segredos mais sombrios. Mas é possível que Faith esteja já demasiado envolvida para se afastar... ainda que possa querer fazê-lo.
Provavelmente o aspecto mais curioso deste livro é que os mesmos aspectos que o tornam fascinante são os que o tornam também ambíguo. A protagonista, com a sua magia aparente e o tédio das suas rotinas, consegue despertar por vezes indiferença e outras vezes empatia. Poppy e Louis, com o seu mundo de brilhos, loucura, sexo e sobrenatural, nunca assumam uma identidade clara, razão pela qual o delicado equilíbrio entre erotismo e horror é sempre tão surpreendente. E quanto à visão da arte enquanto exposição pessoal... bem, é um conceito em si mesmo ambíguo.
A própria arte parece reflectir esta ambiguidade, com o contraste entre cores vivas e cenários obscuros, entre os momentos de erotismo e as manifestações sinistras de um sobrenatural ainda bastante inexplicável. E, sendo certo que fica muita curiosidade insatisfeita, até porque muito fica por explicar neste primeiro volume, é quase impossível desviar os olhos da página, principalmente nos momentos mais hipnóticos da dita criação artística.
Um último ponto que sobressai é a quase omnipresença da tentação. Sendo uma história de sexo e destruição, em que uma das personagens tem, no mínimo, uma aura diabólica e em que há uma assumida influência da Divina Comédia, é impossível não ver como todo este volume gira em torno das tentações de Faith. Se é fácil compreendê-las? Nem sempre. Mas é perfeitamente visível uma luta interior mais ou menos equilibrada entre a pessoa que era e a que os seus novos... amigos... estão a moldar.
Deixa sentimentos ambíguos, é verdade, até porque está muito longe de ter dado todas as respostas. Mas, mais do que isso, deixa um estranho e hipnótico fascínio pela sua mistura de sedução e de horror, de arte e de sobrenatural, de tentações terrenas... e movimentações infernais. E isso é mais do que suficiente para guardar Faith na memória e querer saber o que lhe acontece a seguir.

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