Inspirado por Martin Luther King, Elwood Curtis sempre quis construir para si uma vida melhor, apesar das restrições da segregação, e participar na luta pela igualdade de direitos. Mas uma boleia inocente a caminho da universidade acaba por o enviar para um reformatório. E a Nickel não é um reformatório qualquer: sob a aparência de uma escola dedicada à regeneração dos mais jovens e ao trabalho de os reenquadrar na sociedade, esconde-se um sistema secreto onde a sobrevivência se consegue com o mínimo e a única forma de sair de lá com vida é baixar a cabeça e obedecer.
Um dos primeiros aspectos a ter em mente durante a leitura deste livro é o facto de ser baseado em factos reais. É algo, aliás, impossível de esquecer, não só pelo cuidado com que o autor apresenta as suas referências no final, mas sobretudo pelo realismo que impregna cada página desta história. É assustadoramente fácil imaginar os acontecimentos narrados deste livro, sentir a revolta e o medo e a dor e as esperanças devastadas das personagens, questionar o mundo em que se movem e tocar de perto a ténue linha que separa a resistência da resignação. E é esta sensação de ter acompanhado toda a viagem que faz com que este livro perdure na memória.
Outro grande contributo para tornar este livro memorável vem da oscilação entre diferentes períodos. O foco está sobretudo no tempo passado por Elwood em Nickel, mas a história projecta-se a espaços para o futuro, para a vida depois da saída e para o momento em que a verdade da escola vem a público. Além de funcionar como uma poderosíssima reflexão sobre os efeitos duradouros do trauma, esta mudança temporal tem ainda o condão de acrescentar um pequeno grande mistério à ligação entre o Elwood de antes e depois de Nickel. Mistério esse que, embora por vezes não pareça existir, abre caminho para um final simplesmente devastador.
E há todo o contexto, claro, e a forma como molda todo o percurso das personagens. A segregação e o racismo surgem também como personagens desta história, tal é o poder que têm de moldar vidas inteiras. Junte-se a isto a impressionante consciência de Elwood e a forma como move cada um dos seus actos e há, ao longo do caminho, toda uma impressionante lição de humanidade. De valores nobres mesmo em tempos de caos, de persistência face ao abismo, do mais improvável dos optimismos. É também por isto que Elwood se torna admirável. E que o final tem o impacto que tem.
Tudo converge, pois, para fazer desta história uma leitura memorável: a intensidade emotiva, a perturbadora realidade do contexto e a alma impressionante de um protagonista demasiado bom para a sua condição. Junte-se a isso a escrita belíssima e o resultado nunca poderia ser menos do que marcante. E inesquecível, de facto.
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