quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Grande Paixão de Jesus Cristo (Lagoas da Silva)

Filho de Maria e, alegadamente, de José, Jesus nasceu em Belém e cresceu com a consciência de que, descendente da casa de David, tinha a legitimidade para ser rei dos judeus. A sua relação com Maria Madalena seria parte essencial do que o faria lutar. Mas Jesus - esse homem tão diferente do mito - tinha ideias de mudança que eram intoleráveis para os poderes instituídos. As suas acções subversivas seriam vistas com receio pelos líderes da sua fé. Seria possível, pois, mesmo com a lealdade dos seus seguidores, fugir a um destino negro?
Tendo como ideia geral a reconstrução de um mito, transformando-o numa história puramente humana, este é um livro que tem como ponto forte a distância que estabelece entre a narrativa bíblica e a sua própria versão das coisas. Em primeiro lugar, a presença do divino é discreta, e estabelecida apenas em referências à fé das personagens. Além disso, a ascendência de Jesus nunca é apresentada como divina, ainda que haja, de facto, um mistério associado ao seu nascimento. Isto basta como base para definir a humanidade deste Jesus e, assim, para estabelecer as diferenças no seu rumo. E, a partir daqui, o que se segue é uma história em que uma infância normal, ainda que com as suas naturais tribulações, dá lugar a um rumo de acção em que o sistema é, de facto, questionado, mas em que as motivações são completamente diferentes das da mensagem instituída. Tudo é diferente, portanto, e é isso que mais cativa neste livro.
Não é, ainda assim, uma leitura compulsiva. A escrita é envolvente, quanto baste, mas toda a história é vista pelos olhos de um narrador que conhece todos os pensamentos e emoções das personagens, mas que os apresenta num tom algo distante. Não há, assim, grande empatia para com as personagens, mesmo tendo em conta a história de afectos que liga Jesus a Maria Madalena. Além disso, o ritmo pausado resultante de uma forte componente descrita e alguns exageros no ponto de vista do narrador contribuem também para acentuar essa distância. Há vários momentos interessantes, mesmo assim, sendo de destacar a forma como alguns episódios bíblicos - como a fuga para o Egipto, ou a própria Crucificação - são moldados num contexto completamente diferente.
A impressão que fica deste livro é, portanto, a de uma história que, não sendo construída da forma mais cativante, com a sua narração algo densa e a distância com que os acontecimentos são apresentados, surpreende, ainda assim, pela perspectiva diferente que cria para a história de Jesus. E é isso, principalmente, que o torna uma leitura interessante.

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