Muito antes do seu papel na definição das ideologias do Terceiro Reich, Alfred Rosenberg é confrontado com um desafio ao seu vincado ódio aos judeus. Após um discurso particularmente inflamado, poucas semanas antes da formatura, o director apresenta-lhe um trabalho cujas questões virão a permanecer na sua mente. Como é possível que Goethe, ídolo de Rosenberg e sua imagem perfeita do ideal germânico, possa ter encontrado tranquilidade nas ideias de Espinosa, um judeu? Ao longo da sua evolução no partido nazi - e da ascensão do partido ao poder - as ideias de Espinosa virão a ser o grande problema na mente de Rosenberg, levando-o a questionar, ainda que com argumentos também questionáveis, a possibilidade de integrar uma linha de pensamentos com que se identifica na sua visão dos judeus enquanto inimigo essencial e raça inferior. E, enquanto lhe são atribuídas funções cada vez mais importantes, Rosenberg acaba por sentir, ainda que caminhando em sentido oposto, o impacto do mesmo isolamento do próprio Espinosa após a sua excomunhão. Com a diferença inevitável de que a obstinação de um é uma ideia fixa, enquanto a de outro reside numa racionalidade incomparável.
Duas histórias, para duas personagens, formam parte deste livro: a de Espinosa e a de Rosenberg, dois protagonistas separados pelo espaço de séculos e por uma clara diferença de ideias, mas que acabam por ter vários pontos em comum. A narrativa alterna entre o percurso de Rosenberg antes e durante a ascensão do nazismo, e a vida de Espinosa na iminência e após a sua excomunhão. Em comum, têm a perspectiva da solidão e é neste aspecto que se encontra um dos grandes pontos fortes do livro, já que, diferentes como são as suas histórias, o autor consegue realçar, de forma magistral, os efeitos do progressivo isolamento nos seus dois protagonistas. Além disso, também este contexto realça as suas diferenças de personalidade. Espinosa escolhe a solidão quase total, em nome de uma vida dedicada à razão. Já Rosenberg depende quase obsessivamente da necessidade de louvores e do afecto do líder, tornando-se instável e insensato.
Mas nem só isso diferencia os dois protagonistas. Desde logo, as diferenças a nível de contexto histórico tornam o seu percurso muito diferente. Mas, além das disparidades do ambiente em que se enquadram e das divergências a nível de intelecto e forma de encarar o seu papel no mundo, há as ideologias, e nessas há muito a considerar. Por um lado, as ideias de Espinosa são apelativas para Rosenberg, sendo essa uma parte essencial do seu problema. Por outro, a sempre presente obsessão de Rosenberg pela superioridade da raça entra em colisão com a ideia da união baseada em elementos racionais. Além disso, o contraste de ideias não existe apenas entre as posições de ambos os protagonistas, sendo também evidente no questionar das crenças estabelecidas, particularmente no que diz respeito a Espinosa.
Tudo isto implica que haja bastante exposição e debate de ideias, quer a nível de conceitos filosóficos, quer no que toca aos métodos da psicanálise. Nada se perde, ainda assim, por estes momentos mais descritivos em que a exposição de pensamentos se torna dominante. Muito pelo contrário. Este desenvolvimento de ideologias torna as personagens mais complexas, até porque, para os seus momentos de meditação e racionalidade, há também situações de tensão ou de medo que lhe opõem instinto e emoção. A história nunca perde a envolvência, portanto, resultando de tudo isto uma leitura com muito material para reflexão, mas também com um enredo sempre interessante para acompanhar.
Trata-se, pois, de uma história que é tanto de ideias como de personagens, e que conjuga na perfeição os elementos mais interessantes das duas partes. Complexo, mas sempre envolvente, O Problema Espinosa consegue ser, em simultâneo, uma leitura compulsiva e uma boa base para reflectir sobre várias questões e ideias. E é este equilíbrio perfeito entre todos os seus elementos que o torna tão bom. Recomendo.
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