quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O Processo (Franz Kafka)

Tudo começa na manhã em que Josef K. é informado, pelos agentes que ocuparam o lugar onde mora, de que é acusado num processo e que, por isso, se encontra detido. Acusado de quê, não sabe, nem nunca saberá, já que ninguém parece interessado em esclarecê-lo. Aí começa o seu processo, um turbilhão de dúvidas e acções confusas num cenário onde a burocracia é interminável e tudo e todos parecem ter alguma relação com o tribunal. Labiríntico e intrincado, o processo de K. reflecte um sistema indiferente, com uma justiça que define culpados até prova em contrário. Tudo é estranho... mas parte dessa estranheza é também fascinante.
Se há algo que se reconhece desde as primeiras páginas deste livro, é que não apresenta nem uma história simples nem uma leitura fácil. Não é que a escrita em si seja particularmente elaborada, mas é-o o sistema. Todo o sistema construído em torno do processo é uma teia de complicações, com elementos improváveis e surreais a servirem de base a uma justiça difícil de compreender - quer para o acusado, quer para os que parecem pertencer ao lado da lei. O enredo é, por isso, tudo menos linear. Há momentos confusos e situações inexplicáveis. O próprio comportamento das personagens é, por vezes, contraditório, tal como o são as complexidades da justiça que representam. Quanto a K., oscila entre a indiferença e o desespero, à medida que o processo evolui, sem na verdade mudar seja o que for para lá da sua própria percepção de futuro.
Mais que a história de Josef K., este livro representa um retrato - algo exagerado, talvez, mas certeiro em muitos aspectos - de uma justiça que, com toda a sua burocracia e irredutível impassibilidade, acaba por ser inevitável por todas as piores razões. Para o demonstrar, surgem as longas exposições de algumas das personagens, expondo, numa exaustiva descrição de detalhes que reforçam o caos do sistema, toda a dimensão da sua burocracia. São, naturalmente, momentos mais cansativos, que, curiosamente, ao transmitir essa impressão a quem lê, acabam por reforçar a ideia de qual será o ªanimo de Josef K., preso nesse mesmo sistema que cansa e desespera mesmo apesar da distância.
Muitas vezes descritivo, e com várias mudanças de cenário a deixar perguntas sem resposta, este não  é, propriamente, um livro de grandes momentos. Há, ainda assim, um que se destaca, e o impacto é tão maior pela intensidade com que surge, depois da lentidão do processo. Se todo o percurso ao longo do processo é um cenário de caos com o acusado como ponto de união, a conclusão é o ponto de máximo impacto. Intenso e brilhantemente construído, o fim da história de K. é memorável, tanto pelo contraste com o arrastar da situação nos capítulos anteriores, como pela forma como conclui a luta do protagonista contra o sistema. Tudo o que foi reflexão até ali ganha impacto com aquele único momento de emoção. O resultado é um momento brilhante.
Complexo, de ritmo pausado e com um enredo que é tudo menos linear, este é, portanto, um livro com tanto de estranheza como de fascínio. Cansativo, por vezes, mas muito interessante na construção do sistema judicial que apresenta, cativa pelo ambiente enigmático e algo surreal, abrindo caminho para uma fortíssima surpresa na forma como tudo se conclui para o protagonista. Fica na memória, portanto, esta estranha história. E vale a pena ler.

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