A vida de Mara nunca foi destinada a mais que à oração e ao recolhimento no templo de Lashima. Mas tudo muda, no momento em que preparava para se dedicar à deusa. Guerreiros do seu clã chegam para a levar para casa, anunciando-lhe que, porque o pai e o irmão morreram em batalha, lhe cabe agora a posição de Governatriz dos Acoma. Mara é jovem e inexperiente nas elaboradas intrigas do Jogo do Conselho. Mas terá de aprender. E depressa, porque a situação do seu clã é desesperada e o seu inimigo, o responsável pela queda do seu pai, espera ansiosamente por um sinal de vulnerabilidade que lhe permita acabar o que começou. Mara precisa de entrar no Jogo e de jogar com mestria nunca antes vista, pois cada passo em falso implica perdas e basta um erro para causar a sua morte.
Um dos pontos que primeiro chama a atenção neste livro é o facto de, apesar de se situar no mesmo universo que os outros livros de Raymond E. Feist, desenvolve um sistema até agora pouco conhecido. O protagonismo está agora no Império Tsuranuanni, o que implica uma série de novos elementos a serem desenvolvidos. E isto aplica-se tanto ao sistema hierárquico e aos rituais e tradições específicas, como a seres em tudo diferentes dos até então apresentados. Há tanto de novo no funcionamento e nas manipulações dos clãs como em sistemas únicos como os das colmeias cho-ja. Este livro introduz, portanto, um cenário com muito de novo, ainda que com ligeiras ligações ao já conhecido, que surpreende pela diferença relativamente a outros sistemas do mesmo universo.
Surpreendem também algumas mudanças de registo. O estilo da narrativa é, em grande medida, semelhante, com uma forte componente descritiva e uma linguagem relativamente elaborada, principalmente nos diálogos associados a rituais e interacções protocolares. A história é, ainda assim, bastante mais centrada nas personagens, com a protagonista como ponto central de uma história que, não sendo pessoal porque envolve a sobrevivência de todo um clã, vive principalmente das escolhas e acções de Mara. Há, também, menos elementos de batalha, e bastantes mais de conspiração.
Se o sistema é descrito ao pormenor, também a caracterização das personagens não fica atrás. Claro que é Mara a personagem que sobressai, evoluindo da jovem inexperiente para a exímia jogadora, capaz de ser cruel quando necessário, mas sem perder pelo menos parte da humanidade da noviça de Lashima. Mas também as outras personagens têm muito de interessante a considerar, desde os seus fiéis conselheiros, ao enigmático Mestre Espião, passando por alguns dos seus mais ferozes inimigos, cuja frieza de acção contrasta com momentos de clara vulnerabilidade. Todas as personagens, mesmo as de presença mais discreta, têm em si algo de interessante. E isto é parte do que mantém viva a envolvência da leitura, bem como a curiosidade relativamente ao que sucederá a seguir.
A Filha do Império é o primeiro volume de uma trilogia, mas a linha principal do enredo tem um início e um fim. Não ficam, portanto, grandes questões em aberto no conflito entre Mara e os Minwanabi. Há, ainda assim, muito mais a considerar no Jogo do Conselho e, nesse aspecto, a história de Mara tem ainda muito potencial para explorar. Fica, por isso, muita curiosidade relativamente aos volumes seguintes.
Bastante descritivo e, por isso, de ritmo pausado, não se pode considerar este livro como de leitura compulsiva. Mas, nos muitos pormenores do sistema e nos intrincados planos das personagens, bem como pelos traços que os definem como indivíduos e que criam empatia e interesse para com as suas circunstâncias, há, ao longo da leitura, muito de cativante e de fascinante. Inicia-se, pois, da melhor forma, esta nova trilogia, revelando já, neste primeiro volume, o muito de bom que tem para oferecer. Muito bom.
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