Amizades. As verdadeiras. As que levam uma amiga a ficar acordada até ao fim da noite a ouvir desabafos, a abrir as portas de casa quando a da amiga se desfez, a dar conselhos, quando precisos, e a ouvir quando não é preciso falar. As que resistem à distância, ao tempo e à amargura e prevalecem mesmo nos momentos maus. Destas amizades fala esta história, das amigas de uma mulher que viu a vida ruir e que, enquanto procura conforto, revive memórias e histórias vividas com essas amigas presentes.
Narrada na primeira pessoa e com uma linha temporal pouco definida, já que as memórias do passado se confundem com o presente difícil da protagonista, este é um livro que tem na abordagem à amizade o seu grande ponto forte. A amizade é retratada principalmente pela constância nos momentos difíceis (ainda que nem sempre), mas não como algo abstracto. Os diferentes episódios que vão surgindo nas memórias da protagonista, enquanto divaga por lugares e recordações numa tentativa de lidar com a dor, representam momentos e ligações concretas, que sobressaem tanto pelo que têm de genuíno, como pela forma como essa ligação se sobrepõe às diferenças entre algumas personagens. Amigas que são, todas elas, mantêm a sua própria individualidade e os traços que as distinguem são claros, sem, por isso, por em causa a empatia e o afecto. E, desta amizade tão clara e tão real, com as diferenças e as pequenas rupturas, mas principalmente com a constância de se estar lá quando é preciso, evoca o que há de melhor nos amigos. Seguindo as histórias das suas personagens, este livro evoca o conceito de amizade no seu sentido mais amplo, trazendo à memória de quem lê as suas próprias amizades. Realçando semelhanças, empatias. Tornando mais próxima do leitor a história que quer contar.
A este sentimento de proximidade junta-se uma forma muito própria de narrar os acontecimentos. Divagativa, poética, nalguns momentos, evocando, por vezes, algumas referências literárias, a autora constrói para a sua história uma forma de narrar que reflecte a sua protagonista. Um estilo próprio de contar as coisas, próximo, por vezes, à dispersão das memórias, mas sempre cativante e fácil de acompanhar. Este estilo de escrita, invulgar, mas fluído e agradável, realça, também, pela individualidade da narração, o que as amizades que narra têm de universal.
Este é, por isso, um livro que marca muito pelo impacto emocional. As desilusões amorosas e a amargura dos fracassos, a ameaça de uma longa amizade prestes a quebrar e, por outro lado, a suposta ligação que fica para trás por interesses superiores são apenas alguns dos elementos que fazem com que esta história viva muito do sentimento. Sentimento esse que, na forma como é desenvolvido, associado a momentos concretos e a histórias pessoais (nem todas com uma resposta final, mas com questões precisas, ainda assim), acaba por evocar uma reflexão interessante: se os grandes dramas podem quebrar um coração, também os pequenos ferem e consomem. E é desses dramas, tão grandes no momento, mas apenas parte de uma história maior, que vivem as amizades desta história.
História de amizades e de afectos, Ponto Pé de Flor marca pela sua forma própria de evocar, numa narração precisa e concreta, sentimentos e experiências comuns a muitas outras histórias. É isso, acima de tudo, que o torna tão cativante. E é isso também que faz com que fique na memória.
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