A água está a acabar. Na aldeia, muitos são os que pensam que nunca mais voltará e que o que se avizinha é o fim de todos. Outros pensam diferente. O Engenheiro Waasser, que veio para construir pontes, não tem agora respostas para o que está ali a fazer. Ryo e Laama, os áugures, discutem a natureza da seca que a todos fustiga. Maara e Ervio, estranhos namorados, usam um dos raros telefones que ali existem para trocar pensamentos comuns e perguntas. E um recém-chegado com intenções duvidosas põe em marcha um plano para extravasar um ódio que nem ele compreende. Entretanto, a água continua sem vir. E ninguém sabe ao certo o que fazer, como viver ou... quem ser.
História de um tempo difícil e das gentes que o atravessam, este é um livro que surpreende, em primeiro lugar, pela voz muito própria com que tudo é contado. Em capítulos curtos e com um estilo de escrita aparentemente simples, dá voz à quase inocência das gentes da aldeia, para depois, numa inesperada reviravolta, questionar os mais profundos dos pensamentos e razões. Traça um amor quase inocente - para depois o abalar pelo ciúme e pela dúvida. E uma visão de um povo onde tudo o que acontece é encarado com as mesmas medidas de naturalidade e de revolta - assim surpreendendo tanto pela paz aparente, como pelos arroubos de violência que dela brotam.
Assim se cria uma história de contrastes. E são, no fundo, estes contrastes o que fica na memória, terminada a leitura, pois, do que parece, de início, ser a história de um amor em tempos difíceis, emerge, afinal, uma visão mais ampla. Da história de Maara e Ervio, passa-se para as tribulações de toda a aldeia e, daí, para a própria natureza. Tudo num registo ora inocente, ora cruel, ora até ligeiramente mágico. E assim, é quase tudo inesperado. Principalmente o final.
Fica, desta passagem do pessoal ao global, uma sensação de curiosidade insatisfeita. É que, na fase final, algumas das personagens, já com o seu papel desempenhado, parecem ficar para trás no meio da confusão. O que faz sentido, tendo em conta a forma como tudo termina. Mas fica, ainda assim, insatisfeita a vontade de saber um pouco mais sobre o que o destino teria reservado para estas tão estranhas e cativantes personagens.
Reduzida ao mais simples e inocente - ou, talvez, à sua base essencial - , esta é, portanto, a história de uma aldeia e das gentes que nela vivem em tempos de total escassez. Simples, na aparência, mas surpreendente em quase tudo, um livro que se lê de uma assentada e que, do primeiro ao último capítulo, não deixa nunca de cativar.
Título: Água - Uma Novela Rural
Autor: João Paulo Borges Coelho
Origem: Recebido para crítica
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