Mathias acaba de perder a mãe e não sabe como lidar com a dor. Mas, enquanto espera pela família, surge uma ajuda inesperada, na forma de um estranho gigante que, com todo o seu conhecimento sobre o mundo dos mortos, presta auxílio aos corações enlutados tratando-os com fragmentos da sua sombra. Começa assim a luta de Mathias contra o pesar, enquanto, na companhia da sua sombra emprestada e de Jack, o seu verdadeiro dono, aprende a lidar com as memórias mais preciosas e a resistir à tentação de atravessar a porta das sombras para o outro mundo, para que possa ver a mãe mais uma vez.
O equilíbrio perfeito entre ternura e estranheza. É essa a grande razão que torna tão marcante esta pequena história. Estranheza devido aos vários elementos surreais que ganham forma através da tristeza do protagonista e ternura no afecto inocente e ilimitado na base dessa mesma tristeza. Tudo desenvolvido nas medidas certas, com as situações peculiares - como a presença de Jack, a maleabilidade da sombra ou a peculiar caracterização do mundo dos mortos - a complementar uma história que é, no fundo, bastante pessoal e, ao mesmo tempo, muito fácil de entender.
Com todos os elementos improváveis que a história tem, o essencial é, apesar de tudo, muito simples: é de perda que fala esta história, da partida de alguém que inspira afecto e cuja ausência é necessário assimilar. E, porque é, afinal, o luto a figura representada por todas as sombras e medo, também a saudade é um elemento essencial nesta história. Saudade que, como tudo o resto neste livro, se faz representar por actos de uma certa estranheza, mas que, tendo em conta o contexto, são também muito fáceis de entender. Na verdade, são esses momentos estranhos - a noite no cemitério, o impulso para voar, a forma como a sombra se ajusta àquele que a usa - os mais comoventes, quer porque representam a perda de forma muito mais intensa que quaisquer simples palavras, quer porque reflectem na perfeição a posição do protagonista perante a sua dor.
Mas nem tudo é tristeza nesta história, muito pelo contrário. E é aqui que o papel de Jack mais se destaca, com todas as suas peculiaridades a despertar leves momentos de humor, a mostrar que, mesmo no luto, a vida continua e que há mais, no mundo lá fora, razões para sorrir. Também isto contribui para uma melhor representação da assimilação da perda enquanto processo gradual. Toda a dor e toda a mágoa estão presentes e são inevitáveis, mas há mais que isso no luto: há a vida e as memórias. No fundo, a vida continua sempre, e é essa a grande mensagem deste livro.
Simples na escrita e simples no enredo, esta é, contudo, uma história sobre coisas complexas. E é, talvez, a forma inocente e enternecedora - e, sim, também um pouco peculiar - como as complexidades da perda e da morte se reflectem nesta história tão simples o que a torna tão cativante e comovente. É, seguramente, isso que faz com que fique na memória.
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