Jane é uma enfermeira inglesa que, depois de casar com um homem de quem cuidou, se vê deslocada para longe da sua pátria e rodeada de miséria e de intrigas na comunidade inglesa das minas de S. Domingos. É aí que vê, pela primeira vez, António, um contrabandista, com amizades que desagradam ao regime e uma vida perigosa. Há algo que os atrai um para o outro, mas ambos sabem que a sua relação é impossível. Ainda assim, não conseguem evitar. E, enquanto se conhecem e se descobrem no amor, há uma guerra a decorrer por perto, a mesma que fez com que o irmão de Jane desaparecesse, a mesma que agita os ânimos dos amigos pouco recomendáveis de António. Ambos estarão, talvez sem saber, no centro de um mistério que intriga as autoridades dos dois países. E ambos observam, com mínima intervenção, a evolução da guerra e a tomada de partidos por parte de um país que se assume neutro, mas que parece ter favoritos.
Envolvente e com algumas interessantes peculiaridades no estilo de escrita, este é um livro que tem como mais cativante a capacidade de evocar empatia para com as personagens. Narrado quase totalmente na primeira pessoa, mas alternando entre a voz de Jane e a de António, cria, desde cedo, uma sensação de familiaridade relativamente aos protagonistas, quer pela forma aberta como estes dão voz aos seus pensamentos e emoções, quer pela forma como o seu carácter e a sua capacidade de reagir aos acontecimentos que os rodeiam se reflectem. Jane e António têm diferenças consideráveis entre eles, diferenças que se reflectem na forma como narram a sua história. Têm em comum, contudo, a intensidade emocional com que vivem as suas experiências e isso aproxima-os, mesmo quando as diferenças se tornam mais evidentes. Jane tem também um destinatário para a sua história - fala quase sempre com o irmão desaparecido - , enquanto António parece falar mais como quem narra as suas memórias, sem se dirigir a alguém em particular. Cria-se, assim, um interessante contraste entre as vozes dos dois protagonistas, tal como entre os mundos diferentes de que fazem parte.
Ainda que a ligação entre António e Jane seja, em grande medida, o centro da narrativa, importa referir uma contextualização completa e feita sempre de forma cativante. Há todo um retrato social a descobrir, feito tanto através dos contactos de Jane na comunidade inglesa como das relações de António com os seus amigos perigosos, e diz respeito não só ao contexto de guerra, mas principalmente à posição do regime português na época e às condições de vida daí resultantes. Disto resulta um equilíbrio muito bem conseguido entre as questões pessoais e o contexto global apresentados na narrativa, elevando-a a algo mais vasto que a simples história de amor, sem por isso lhe retirar a envolvência e a intensidade dos sentimentos.
Há ainda um elemento que surge, discretamente, ao longo de toda a história e que, nunca sendo objecto de grande destaque, acaba por ser um toque delicioso. Trata-se, é claro, das referências a O Corvo, de Edgar Allan Poe, e à forma como, evocado apenas muito ocasionalmente, acaba por ser uma das grandes presenças ao longo de todo o livro.
Escrito de forma cativante e com laivos quase poéticos, O Segredo dos Pássaros apresenta uma história que tem tanto de romance e de mistério como de retrato social de uma época. O mais marcante é, como não podia deixar de ser, a forma quase pessoal como reflecte as experiências e problemas das suas personagens. Mas, tanto sobre os protagonistas como sobre o contexto histórico, há muito mais de interessante para descobrir. Muito, muito bom.
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