Num descampado perdido entre a cidade e o mar, vivem, no seu próprio e único sistema, os mais pobres de entre todos os miseráveis. Nada querem com a cidade e com as suas formas de ser. Ali, não precisam de ter ou de dever. São eles próprios, nos seus próprios lugares e nas relações que entendem estabelecer. E entre eles destaca-se o elo que une Ach, o músico, ao seu protegido, Júnior, que, na sua fragilidade mental, surge como o mais inocente - mas, por vezes, o mais valoroso - de todos eles.
Mais que de momentos marcantes, ainda que os haja ao longo deste livro, é de rotinas, de um quotidiano peculiar, mas que é tudo na existência dos homens desta história, que se faz a essência de toda esta obra. De uma vida onde todos os dias são simples e iguais, onde as obrigações são poucas e se resumem a (sobre)viver. E o autor apresenta este cenário, tão decadente, mas igualmente tão puro, de uma forma intensa e clara, comovente, por vezes, revoltante, noutros momentos.
É a tristeza, afinal, o sentimento que predomina neste livro. Na perda de um amante que se torna insuportável para o líder supostamente inabalável de muitos deles. Na presença do estranho Ben Adam, que, como um messias da miséria, vem anunciar que existe vida para lá daquele descampado. Na morte degradante causada por uma lata de conserva há muito estragada. E nos pequenos momentos de ternura, como a frágil emoção de Ach revelada ante uma ninhada de cachorrinhos, no regresso de Pipo, depois de uma busca infrutífera por outra vida... No reconhecimento de uma culpa entre Ach e Júnior, pelo mentor que nunca permitiu que o protegido crescesse... E, por fim, na ausência, naquele tipo de ausência de que nunca se regressa...
Um livro belo, breve, mas poético na sua simplicidade, e intenso na profunda tristeza dessa intensa humanidade que marca também os vencidos e os destruídos. Inocência e culpa, numa história sobre a esperança numa redenção... talvez demasiado distante. Muito bom.
Sem comentários:
Enviar um comentário